sábado, 1 de julho de 2017

Sobre as incertezas da vida acadêmica

Os últimos meses não foram fáceis.

Estou trabalhando num projeto de pesquisa maravilhoso, mas que é bem diferente da minha área. As aulas do doutorado me fazem desejar ter três encarnações para conseguir estudar tudo o que quero/preciso. Meu relacionamento está no modo distância desde agosto do ano passado. Depois de 2 anos morando fora, sinto os vínculos com muita gente querida se afrouxando. E não sei o que vai acontecer daqui pra frente. A gente nunca sabe, é claro. Mas a vida acadêmica me parece um pouco mais incerta do que as outras.

Vive-se à espera de um edital. Que pode ser em qualquer lugar do país (do mundo?). Para trabalhar em qualquer lugar. Para qualquer sub-área. Um artigo que cai por acaso nas suas mãos pode mudar completamente sua visão de mundo, sua perspectiva de pesquisa. Um livro pode virar seus planos de vida de cabeça para baixo. Uma aula pode tirar toda a graça do tema que até então era a menina dos seus olhos.

Para quem lida com ansiedade desde que se entende como gente, como eu, isso é bastante assustador. Adoraríamos controlar, prever, saber. Mas não dá.

Comentei com algumas amigas há uns dias que às vezes eu me pergunto onde estava com a cabeça quando resolvi bagunçar a minha vida. Porque é essa a sensação que eu tenho: que tudo estava nos trilhos e aí eu decidi seguir por atalhos e mais atalhos, que me fizeram caminhar bastante e ver coisas lindas e diferentes, mas que também me tiraram todos os pontos de referência que eu já conhecia.

Para quem está na mesma situação, fica aí um lindo desenho by The Latest Kate.
Colando na parede em 3...2...



*Tradução: tudo é assustador e você se sente vulnerável, mas isso não significa que tudo vai dar errado. Sentimentos de ansiedade normalmente não são indicativos (confiáveis) da realidade.

terça-feira, 18 de abril de 2017

Objetividade do cientista social e do cientista natural

Faz tempo que ouço pessoas da área de Exatas dizerem coisas como: "eu sou objetivo", "gosto de fazer pesquisa objetiva". A ideia subjacente é que quem faz pesquisa nas Ciências Sociais se baseia apenas em opiniões, percepções, visões pessoais, etc.

E aí, lendo esse trecho de Popper, em "A lógica das Ciências Sociais", p. 22, eu tenho vontade de sair cantando...

"É um erro admitir que a objetividade de uma ciência dependa da objetividade do cientista. E é um erro acreditar que a atitude do cientista natural é mais objetiva do que a do cientista social. O cientista natural é tão partidário quanto as outras pessoas, e a não ser que pertença aos poucos que estão, constantemente, produzindo novas ideias, ele está, infelizmente muito inclinado, em geral, a favorecer suas ideias preferidas de um modo parcial e unilateral. Vários dos físicos contemporâneos de maior projeção têm fundado, também, escolas que estabelecem uma resistência poderosa a novas ideias"



domingo, 12 de fevereiro de 2017

Por uma ciência mais transparente

Pense bem.
Se você quer ser um grande pesquisador, que caminhos pode seguir? Como deve escolher seus temas, seus companheiros de pesquisa, seu métodos? Quais são os erros que você vai cometer, inevitavelmente? Quais serão as barreiras do processo científico?
Você sabe?
Eu também não.

E, infelizmente, os trabalhos acadêmicos parecem nos contar muito pouco. Quando lemos um artigo sobre a construção de um novo algoritmo, o vislumbre de uma conexão entre dois aspectos ou uma nova percepção sobre um problema, sabemos pouco sobre a trajetória que levou o pesquisador até ali. Constrói-se a impressão de que todo aquele trabalho já apareceu pronto, como que fruto da inspiração divina. O que está longe da verdade, na imensa maioria dos casos.

Penso que todo trabalho deveria ter um capítulo que descrevesse a trajetória de sua construção: os erros, os acertos, os problemas enfrentados, as escolhas, os dilemas. Não somente uma seção que apresentasse a metodologia utilizada, mas algo que deixasse transparecer todo o esforço envolvido na elaboração daquele estudo. E se você acha que a trajetória de uma pesquisa quantitativa é linear, sinto dizer que a realidade parece ser bem diferente.

É claro que algo assim tomaria espaço, por vezes tão escasso nos formatos comuns de artigos acadêmicos. Que o colocássemos, então, em nossas teses e dissertações, pelo menos. E que lutássemos para que houvesse uma categoria de publicação chamada "trajetória de pesquisa" ou algo assim.

Todos nós erramos na condução de nossos trabalhos. Todos nós elaboramos hipóteses que se provam falhas, aplicamos métodos que não trazem os resultados que esperamos, conduzimos experimentos que não foram bem elaborados. Em vez de manter silêncio e guardar segredos nos laboratórios e salas de pesquisa, porque não se expor? Porque não fornecer esse depoimento encorajador para os demais, dizendo que "sim, é difícil, sim, eu errei...mas consegui chegar até aqui"? Porque não dizer que o rei está nu?

É claro que é empolgante e inspirador ler um trabalho brilhante. Mas ainda mais inspirador seria conhecer todo o processo que deu origem ao trabalho, com erros, desvios e acertos. Conhecer a humanidade por trás daquele trabalho. Não só o caminho, a história bonita em que tudo funciona e A leva até B. E sim, aquela história completa, autobiográfica, incerta e tortuosa. Isso não diminui (ou não deveria diminuir) o mérito do trabalho.

No momento em que não deixamos registros de nossa jornada até chegar ao resultado final do trabalho, estamos dificultando o caminho para aqueles que vêm depois de nós. Estamos fazendo nosso trabalho parecer perfeito e inatingível. E então, vamos ensinar tal postura e exigir de outros a mesma falta de transparência que apresentamos. E vamos rechaçar quem apresentar tal sinceridade.

Lembro de um episódio de trabalho em que eu falei numa reunião que não estava conseguindo completar determinada tarefa. Fui olhada com desagrado e pena por pessoas de outros departamentos, que então desfilaram intermináveis conselhos do que eu deveria fazer. Nenhum deles me parecia aplicável...e saí da reunião me sentindo frustrada e incompetente. Qual não foi minha surpresa quando um colega me chamou de lado e me disse, como quem conta um grande segredo, que ninguém estava fazendo aquilo, mas que burlavam o sistema para fazer parecer que estavam. Eu, sem querer, havia quebrado o pacto de silêncio.

Sinto que mantemos esse pacto diariamente nas bancas, comissões julgadoras, orientações e aulas pela ciência afora. Mostramos o lado "limpo" da nossa pesquisa para o mundo. E acho que isso tem que mudar.

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

Exemplo de pesquisa qualitativa (entrevista e análise)

No post anterior eu dei um exemplo de como não fazer entrevista qualitativa.

E como seria uma entrevista qualitativa de verdade?

Bom...entrevistas qualitativas costumam ser longas. Quanto mais a pessoa fala, melhor. Por isso, devem ser evitadas perguntas que possam ser respondidas só com "sim" e "não".

Para exemplificar, criei um trecho fictício de entrevista, baseada no exemplo 1, do post anterior.


Problema de pesquisa: Como a TI contribui para os microempreendedores?
Entrevistada: Dona Maria

[...]
- "Dona Maria, como surgiu essa ideia de implantar esse sistema?"
- "Ah, minha filha, a ideia de botar esse sistema aqui foi do meu filho. Ele tá fazendo um curso de computador e chegou dizendo que se botasse ia melhorar. Aí eu botei. Quando chegou, foi ele mesmo que instalou e botou pra funcionar. Aí no começo eu tava meio teimosa, não queria usar...mas aí ele foi me ensinando e eu aprendi. Aí hoje todo pedido que a gente faz a gente bota aí no sistema"

- "Se ele não estivesse por aqui, a senhora teria colocado o sistema?"
- "Ah, não tinha não! Não tinha não porque eu não sabia mexer...fora que se fosse pra chamar outra pessoa, eu ia ter que pagar e aqui é desse jeito que você tá vendo: assando e comendo..."

- "Entendo...Hoje a senhora consegue imaginar isso aqui sem esse sistema?"
- "Consigo, minha filha. Mas com ele é melhor, né? Porque no fim do mês eu já tenho tudo certinho pro contador...porque antes era uma trabalheira...eu tinha que ficar inventando até, porque eu não achava as coisas..."

- "A senhora vê outras vantagens, além dessa?"
- "Ah, também é bom que eu sei o quanto deu pra apurar no mês"

- "E como isso lhe ajuda?"
- "Ah, minha filha, você sabe, né?...É que as conta é tudo misturada, daqui e de casa...aí, sabendo quanto deu aqui, sei quanto dá pra fazer de feira"
[...]



E aí?
Consegue ver como a TI ajuda o microempreendedor?

A gente poderia extrair 475293 coisas dessa entrevista:
- a necessidade de ter alguém externo que dê a ideia de adotar a TI, já que o microempreendedor nem sempre tem essa visão
- a questão dos custos da TI, que podem ser impeditivos para o microempreendedor
- a questão da universalização do ensino superior: e se o filho da D. Maria não tivesse estudando?
...

E por aí vai.
Por isso que a gente precisa de uma pergunta de pesquisa: pra guiar a análise. Senão a gente passa a vida toda "futucando" aí...Nada impediria que a gente explorasse outros aspectos, mas para começar, vamos ficar só na questão de pesquisa.

A d. Maria fala:

"no fim do mês eu já tenho tudo certinho pro contador...porque antes [do sistema] era uma trabalheira...eu tinha que ficar inventando até, porque eu não achava as coisas..."
Eu não sei pra vocês...pra mim, olhando por alto, parece que a TI ajuda no cumprimento das obrigações legais.

E não é só isso:

"as conta é tudo misturada, daqui e de casa...aí, sabendo quanto deu aqui, sei quanto dá pra fazer de feira"
Ou seja...ajuda na gestão financeira da empresa, o que também ajuda no orçamento familiar, já que nesse contexto, as coisas costumam estar misturadas.

Então, nessa análise eu já teria duas respostas para a pergunta de pesquisa:
  • Cumprimento de obrigações legais: A TI ajuda o MEI a cumprir as obrigações legais, e até reduz a incidência de erros e fraudes involuntárias na prestação de contas ("eu tinha que ficar inventando até")
  • Controle Financeiro: a TI ajuda a melhorar o controle financeiro da empresa e por conseguinte, o controle financeiro familiar.

Eu também poderia detalhar essa questão da TI e indicar o tipo de sistema ao qual ela se referiu. Aí no fim, eu poderia associar o tipo de tecnologia às respectivas contribuições.

Por que eu disse "teria duas respostas"? Porque nos desenhos de pesquisa qualitativos que envolvem várias pessoas (caso mais comum, como é o exemplo 1) os resultados de pesquisa normalmente são aquelas questões mencionadas por várias pessoas. Mesmo quando só há um sujeito investigado, é recomendado o uso de outras fontes para dar mais solidez aos resultados da pesquisa.
Assim, se os próximos entrevistados também falarem essas coisas, vai se consolidando um resultado de pesquisa.

E aí? Partiu pesquisa?

---

Em tempo: sou iniciante na pesquisa qualitativa, leitora ávida de Merriam e Patton. Se eu falei besteira ou se tem algum paradigma em que nada disso aí vale, me conta. =D

O que é entrevista qualitativa e o que não é

Fazer pesquisa qualitativa em alguns ambientes é um desafio. Embora sua importância já seja ponto pacífico nas ciências humanas, quem vive entre os dois mundos (como eu), às vezes passa apuro para explicar que o que está fazendo é pesquisa científica sim.
Mas eu entendo o preconceito que vejo por aí: tem muita pesquisa qualitativa com problemas.

Exemplo: a pessoa quer investigar como a TI contribui para o microempreendedor. Aí o que faz? Um monte de entrevistas perguntando coisas como: "na sua opinião (porque é quali, oras! Tudo é na visão da pessoa #ironia), qual é a contribuição da TI para o seu negócio?". Aí seleciona as respostas que mais apareceram, vai lá e escreve os resultados. E põe lá que "realizou um estudo qualitativo".

Desculpa. Isso é jornalismo. Não é pesquisa qualitativa. (na minha opinião...mua ha ha).

Até onde aprendi, para responder à pergunta "como a TI contribui para o empreendedor" de modo qualitativo eu poderia fazer alguma das opções a seguir:
  1. Entrevistar microempreendedores. Primeiro faria perguntas para identificar o que há de TI na organização. Depois perguntar de onde veio a ideia de adotar a tecnologia, como foi a implantação, como ele usa aquilo. Depois perguntar, p. ex, se a pessoa consegue imaginar a empresa sem aquilo.
  2. Primeiro observar uma microempresa funcionando e identificar que tarefas envolvem TI. Depois pedir que as pessoas me falassem daquelas tarefas, pra que eu entendesse a importância delas para o negócio. E aí fazer a conexão TI-Negócio.
  3. Acompanhar uma organização que está adotando um sistema até que ele entrasse em operação, para indicar como ela mudou.
  4. (insira seu desenho de pesquisa favorito aqui).
Em todo caso, no processo de análise dos dados, eu iria buscando as conexões entre a TI, as razões para adotá-la e como as coisas mudaram depois que ela chegou. E jamais perguntar o que é que a galera "acha" que é.

Nunca viu uma entrevista nem uma análise qualitativa de perto?

Se aperreia não: no próximo post eu mostro um exemplo, baseado na opção 1. Vamos fazer algo como análise de conteúdo. Mas tem váaaarios tipo de análise qualitativa. Por enquanto só captei a ideia dessa...rss....

segunda-feira, 30 de janeiro de 2017

Está escrevendo a dissertação?

Normalmente eu escrevo posts pensando naqueles que estão interessados em entrar no mestrado ou que ingressaram há pouco tempo.

Neste eu quero falar com você, companheira ou companheiro de jornada, que está vivendo o processo de escrita da dissertação.
Eu também estou na reta final: nas próximas 2 semanas, no máximo, o trabalho tem que estar pronto para avaliação.

Mas você sabe, como hoje eu sei, que o processo de escrita é muito mais longo do que parece. Provavelmente você já lê sobre o tema há meses, já fez revisão de literatura, já viveu idas e vindas em relação aos objetivos da pesquisa, à metodologia, etc.

E aí, quando a gente se depara com as páginas em branco, parece impossível traduzir toda a vivência para a palavra escrita.

É quando a gente trava.

Uma dica preciosa já nos foi dada pela Dory, anos atrás:



Continue a nadar.
É só isso.
Empacou numa seção? Parte pra outra.
Tá difícil explicar um conceito? Vai lá formatar uma tabela.
Está inseguro na análise? Repassa as referências.
Você vai conseguir.
Eu vou conseguir.
É só continuar nadando.
Em vez de dizer "vou escrever x páginas hoje", diga "vou trabalhar x horas na dissertação". Parece uma bobagem, mas faz toda a diferença.

Ontem eu tive uma sensação muito doida. Vou tentar descrever:

"Imagina que você tá no fundo de um poço escuro. Você tenta escalar, tenta pular, até faz algum progresso, mas parece que vai demorar um século até você sair dali. Aí, de repente, alguma coisa te puxa até a borda do poço e você, por um instante, tem um vislumbre da superfície. Depois você cai de novo no poço, mas percebe que a distância entre a superfície e onde você está não é tão grande. Você está perto."

Foi isso que senti ontem, enquanto trabalhava na dissertação.
Desde então não tive mais ataques de ansiedade. Os parágrafos começam a surgir na minha cabeça enquanto lavo a louça, o que é um ótimo sinal. E nesse momento estou inexplicavelmente em paz.

Quer dizer, não sei se eu chego a ter ataques de ansiedade no sentido estrito do termo (uma desordem psicológica), mas é como eu sinto.
É uma sensação de angústia, impaciência, vontade de desistir, vontade de chorar, tudo junto e misturado. A respiração acelera. Quando fico assim, não consigo ler, não consigo escrever, nada mais faz sentido, o trabalho parece totalmente incoerente e inútil. Não desejo pra ninguém.
Para lidar com isso, muita conversa com gente querida, dias de folga, dança...
E o mantra: "feito é melhor do que perfeito".

Eles estão me ajudando a continuar a nadar.

---

PS: Estou atrasada com os comentários e emails. Mas respondê-los está no topo da minha "lista de coisas pra fazer entre o depósito e a defesa da dissertação" ;-)