Se prepara que vem textão.
Para quem está chegando aqui agora, este blog nasceu em 2013. Na época eu estava começando a me preparar para a seleção do mestrado em Administração (UFPE). Depois de fazer o teste ANPAD e conseguir uma nota boa,
eu decidi escrever sobre a preparação que fiz.
Compartilhei os posts num grupo de que participava no Facebook,
o Instituto Integral. E aí a minha história começou a mudar. Conheci gente que é amiga até hoje, conheci uma professora que me orientou durante toda a seleção e a quem tenho eterna gratidão, troquei ideias com pessoas de todo o país. Tive a felicidade e a honra de ver gente brilhante me agradecendo por ter ajudado em sua trajetória até chegar à academia. Gente, EU é que agradeço por tudo de bom que veio para minha vida depois destes textos!
Este blog conta com mais de 100.000 visualizações. É altamente provável que nada do que eu escreva ou produza na vida acadêmica vá ser tão visto assim. Fico feliz que posts escritos numa manhã ensolarada de domingo tenham sido úteis para tantas pessoas.
Depois de ter conseguido entrar no mestrado, fiquei bem menos assídua no blog.
Como expliquei aqui, ninguém faz "só" mestrado.
Em 2016 eu decidi emendar o doutorado. Fiz isto porque estava apaixonadíssima pela vida acadêmica e queria seguir sem parar?
Não.
Fiz isso porque era o caminho menos incerto entre aqueles que se apresentavam para mim. Enquanto fazia o pré-projeto de tese para a seleção, me frustrava pela dificuldade em produzi-lo. Eu me questionava - "se não consigo ter ideia de tese, o que raios irei fazer num doutorado?!". Mas fiz a seleção, passei.
Nos meses que se seguiram descobri a sociologia organizacional (e me apaixonei). Lembrei a jovem de 19 anos que eu fui e que sonhava em fazer Ciência Sociais na USP como segunda graduação. Entendi o papel da teoria na ciência social. Virei bolsista num projeto de pesquisa em parceria com o mercado e pude conhecer o que é viver entre mundos. Virei professora e vivi um pouco da dor e da delícia que é desejar contribuir para a formação dos estudantes. Tive (várias) crises de choro, motivadas principalmente pela frustração em ser tão pouco em comparação ao que eu deveria ser, ao que eu gostaria de ser. Enxerguei a nossa posição de subalternos acadêmicos, enquanto nordestinos, enquanto brasileiros, enquanto sul-americanos. Vislumbrei como seria o futuro que me esperava e o quão distante ele era do que eu almejava. Não vi mais sentido em continuar.
Na minha cabeça havia várias questões que eu não conseguia responder: "por que você está fazendo este doutorado? Qual será a relevância disto? Para quem você está trabalhando, a quem está servindo, ao quê está se submetendo - e para quê? Onde você vai chegar com isto? Que futuro te espera?".
No fim das contas, o sentimento era o mesmo que tinha na época da graduação - um conflito entre o que eu estudava e as questões que mexiam comigo. Já em 2005 escrevia sobre este conflito:
"Sou alguém que gosta de pessoas. Que precisa de desafios intelectuais, que gosta de se sentir inteligente também. Mas que é capaz de ficar horas em profunda tristeza por ver uma criança com uma roupa esfarrapada trabalhando, enquanto adultos em jaquetas jeans tiritam de frio. Fica triste por não ajudar. Por ver passar por seus olhos tantas teorias, princípios e preceitos. Por não ver como estes princípios ajudam pessoas. Pessoas MESMO. Não apenas funcionários e clientes de uma organização. Não a diretoria de uma empresa. Não você mesmo. Mas alguém que precisa de conhecimento e amor mais do que você de dinheiro."
Eu não conseguia ver como trazer estas questões para o doutorado que estava em curso.
Além disso, havia a questão da saúde mental. Só meses depois é que pude me dar conta do quão mal tinha estado. Explico: fui uma criança ansiosa. Levou tempo até perceber que aquilo que eu entendia como "meu jeito", de fato não era. O mesmo valendo para depressão. Ambas as condições foram intensificadas pela forma como levei a vida acadêmica.
Para utilizar uma metáfora, minha forma de levar os estudos até então poderia ser comparada com um corrida de 100 metros rasos. Há treinamento, há esforço e então há aqueles 10 segundos em que você vai aos seus limites (e além). Depois, há descanso...e tempos depois mais uma nova rodada de grande esforço. Para o ANPAD, por exemplo, fiz uma preparação intensiva de pouco mais de 3 meses.
A questão é que o mestrado e, em especial, o doutorado, são uma maratona. E eu quis levá-los com a intensidade de quem corre um sprint de 100 metros. Eu queria dar o meu melhor. Só que o "melhor" que eu estava acostumada a dar era ir ao meu limite (e além). Tudo bem fazer isto durante algumas semanas, alguns meses. Mas fazer isto por anos cobra um preço.
Então, no início de 2019 eu vim a Portugal passar férias com meu então noivo (hoje marido). Tinha um objetivo: decidir os rumos para os próximos tempos. Pesados prós e contras, em fins de fevereiro/2019 decidi que o melhor era abandonar o doutorado. A pá de cal era o fato de que, dado o conceito do curso, eu teria que passar por um processo caro e sem garantias, se quisesse ter o diploma reconhecido na Europa.
Assim, passei de doutoranda a ex-doutoranda.
Dias depois de comunicar minha decisão ao meu orientador, lembro de dizer a uma amiga: "Os dias não doem mais". Aos poucos a sensação de estar me arrastando foi diminuindo. Ainda mantive a matrícula porque poderia mudar de ideia. Agora, oficializado o meu desligamento, sinto que foi o melhor. Pouco mais de 1 ano depois, eu começo a me sentir bem de novo.
Para quem está na vida acadêmica, este texto não é para dizer a você que desista. Eu jamais diria isso. Este foi o meu caminho até agora. Continuo apaixonada por aprender, investigar, compartilhar. Mas no meio do caminho eu não me conseguia me enxergar obtendo um doutorado onde estava, da forma como estava.
Não me arrependo de ter feito o mestrado - sou uma pessoa melhor por causa dele. Não me arrependo de ter começado o doutorado - trouxe oportunidades inestimáveis, estimulou reflexões e um nível de autoconhecimento que não teria de outra forma. Da mesma forma, não me arrependo de ter largado - o meu ser agradece.
Se eu fosse dar uma dica, a partir de toda essa história que contei, seria: não perca de vista sua estrela. Não perca de vista o seu propósito. Respeite os seus limites. Se você sempre foi uma pessoa esforçada em seus estudos, não ache que por estar no mestrado ou no doutorado você tem que fazer o triplo de sacrifício. Ao pensar desta forma, sendo alguém que já tem o hábito de se dedicar, é muito provável que você esgote todas as suas reservas de energia. Que deixe de dar atenção ao que você come. Que passe a dormir mal. Que negligencie as pessoas que você ama. Que se esqueça de quem você é e o que te trouxe até aqui.
Quando estamos esgotados, somos pessoas piores, temos ideias pobres, fazemos pesquisas medíocres. Não acho que isto seja bom para ninguém. Fica a dica.
Faz agora 9 meses que me afastei da academia (ainda dei aulas até agosto/2019). Nesse meio tempo, casei, mudei de país. Já vi séries, já li livros. Fiz umas aulas de desenho. Dancei horas na sala. Fiz terapia. Escrevi bastante. Comecei num novo emprego (saudades da proteção da bolha acadêmica). Ainda não sei o que farei nos próximos tempos. Mas se for relevante, volto aqui pra contar.
Tenho planos de fazer posts para ajudar professores iniciantes. Tenho muitos materiais das disciplinas que ministrei e não queria que eles ficassem esquecidos aqui no HD do notebook. É provável que nos próximos dias saiam mais textos. Mas sem pressão. Já deu de pressão.