quarta-feira, 29 de abril de 2020

O plano de ensino - parte III (seleção de tópicos)

Agora que você sabe do que se trata a disciplina e tem um livro-texto (ou mais) como referência, é hora de listar os tópicos que você vai abordar.

3 - Selecione os tópicos que serão abordados


Aqui vale o seu critério, quanto à seleção de conteúdo. A ementa da disciplina, constante no PPC, e os capítulos do material escolhido podem ser usados como referência, assim como as dicas dos colegas. Na dúvida, siga seu coração e confie na sua formação intelectual.

"Como assim, eu não tenho que dar tudo?" - eu diria que no mundo ideal, sim. Porém, ao tentar montar os tópicos do seu plano de ensino, é mais provável é que você perceba que não haverá tempo para cobrir todo o conteúdo com a profundidade desejada. É o momento de fazer escolhas, decidindo o que você vai deixar de fora ou abordar de maneira mais superficial. Seguem algumas dicas para te ajudar nesta tarefa:

  • Verifique se há conteúdos que já foram abordados antes, em outras disciplinas. Por exemplo, eu não ensinava Análise SWOT em Administração Estratégica porque os alunos estudavam esta ferramenta em várias cadeiras anteriores. Fazia apenas uma revisão;
  • Verifique se há conteúdos que serão abordados em disciplinas posteriores. Em Análise Organizacional decidi deixar de fora os tópicos de Estratégia e Processos, porque havia disciplinas específicas para estes temas nos semestres a seguir;
  • Pense em termos de relevância para os alunos – em uma ocasião, preferi deixar tempo para que eles desenvolvessem um projeto numa organização real, em vez de discutir em profundidade a questão das estratégias corporativas (típicas de grandes empresas). 

De forma geral, tenha atenção à quantidade de tópicos, para que você não precise “correr” ao longo do semestre. Nas disciplinas que lecionei, eu utilizava uma média de três dias (6 horas-aula) para cobrir cada um. Assim, daria para abordar, no máximo, 10 tópicos, utilizando aula expositiva/dialogada mesclada com atividades de interação. Este número pode variar conforme o método de ensino que você adotar.

Note que estou utilizando o termo tópicos e não capítulos. A palavra não é por acaso – a relação entre capítulos e tópicos não é necessariamente 1:1 (todo capítulo corresponde a um tópico e vice-versa).  No início, você  pode assumir que cada capítulo vai ser um tópico no seu plano, mas à medida em que for se familiarizando com a disciplina, vai perceber que é necessário fazer adaptações de vez em quando.

Aconteceu comigo em Administração Estratégica: quando chegamos ao tópico de Análise do Ambiente Externo, percebi que num único capítulo eram abordadas a análise PESTEL, o modelo de 5 forças de Porter e a análise de concorrência. Não havia a menor chance de eu conseguir explicar tudo aquilo em apenas 3 aulas (a não ser que eu apenas apresentasse as ferramentas, mas a ideia era que eles conseguissem aplicá-las). Assim, nos semestres seguintes, em vez de considerar “Análise do Ambiente Externo” como um único tópico, eu o dividi em três (“Análise do Ambiente Geral”, “Análise do Ambiente Setorial”, “Análise da Concorrência”).

O oposto também pode acontecer. Eu queria muito abordar as escolas descritivas de estratégia, para sair um pouco da ideia de que há fórmulas prontas para a estratégia. Porém, o conteúdo dos capítulos era denso demais para que eles pudessem compreender e aproveitar, além de tomar todo o tempo restante da disciplina. Assim, seis capítulos do livro Safári de Estratégia se tornaram um único tópico.

Você pode estar se perguntando: mas três dias somente para um tópico? Isto não é muito lento?
No começo desta seção eu comentei que no plano de ensino você define o ritmo da disciplina. E este vai ser o tema do próximo post.

O plano de ensino - parte II (escolha de livro)

Uma vez que compreendeu do que se trata a disciplina, é hora de buscar os materiais de apoio. Sua vida vai ficar muito mais fácil se você encontrar um livro-texto que te sirva de referência principal. A elaboração de provas (se for o caso), se tornará mais tranquila. Não se preocupe, você terá todo o restante da sua carreira para preparar disciplinas baseadas somente em artigos científicos (quem sabe os seus?).

2 - Escolha 1 livro (calma, isso é só o começo...)

Como fazer isto? A ementa contida no PPC deve conter indicações de bibliografia, como mencionei antes. Mas neste ponto, penso que são particularmente úteis as recomendações de colegas professores que já possam ter passado pela cadeira. Dessa forma, você também garante que a sua disciplina se mantenha dentro do padrão esperado (teoria institucional em ação).

Procure na internet e/ou na biblioteca da sua instituição os títulos indicados. Peça emprestado. Folheie o índice, veja os exemplos, leia um trecho do primeiro capítulo.

Mas um livro só? Sim, um livro como referência principal para a disciplina (dica de professora experiente, de quem tenho a sorte de ser amiga). Não se preocupe -você pode (e deve) complementar com artigos (científicos, de negócio, etc), capítulos de outros livros, filmes, séries, documentários, etc. Mas estas são preocupações para depois. Por ora, lembre-se de que você provavelmente vai ler muito mais do que o material que indica para os alunos. Então, vai com calma na indicação principal – escolha 1 livro.

Se você gostou de mais de um livro, ótimo! Pode utilizar um deles como referência complementar. Se a disciplina exige dois ou mais, também não há problema. Só não exagera. Você está apenas começando.


Se tiver tempo...

O plano de ensino - parte I (o que é a disciplina?)

O trabalho de criar um plano de ensino envolve uma série de decisões. Um bom ponto de partida é começar definindo o quê você abordar em sala de aula. Se você está pouco familiarizado com a disciplina, inicialmente vai precisar entender do que ela se trata (*). No mundo ideal, isto não aconteceria, como já comentei aqui. Mas já que não vivemos no mundo ideal, eu sigo aqui escrevendo...

Pode ser que você venha a descobrir que a sua disciplina é bastante flexível (acontece com frequência em disciplinas optativas), te permitindo trazer para a sala de aula tudo o que você já adquiriu como bagagem em outras experiências acadêmicas e/ou profissionais. Ou talvez perceba que se trata de uma disciplina obrigatória com uma bagagem teórica pesada a ser trabalhada, que vai te exigir horas e horas de leitura.

Suas dificuldades vão variar muito conforme o cenário que tiver. Aqui tento ter em mente o “pior” cenário possível.

Ah, caso você já tenha familiaridade com a disciplina, ainda assim te recomendaria dar uma olhada nas dicas, em especial se você estiver utilizando a sua experiência na graduação como referência. Você pode se surpreender ao descobrir o que a disciplina X ou Y deveria ter sido.

1 - Entenda o que é abordado na disciplina (e o que não é)

Minha primeira dica é consultar o Projeto Pedagógico de Curso (PPC). Todo curso de graduação tem um projeto pedagógico, normalmente disponível no site da instituição. Neste projeto são definidas as diretrizes do curso, inclusive as ementas de cada disciplina. Idealmente a ementa traz uma lista com os principais tópicos abordados, assim como bibliografia recomendada e complementar.

Procure o PPC do curso onde você irá lecionar e localize a sua disciplina. Com um pouco de sorte, você encontrará um bom ponto de partida para entender o que se espera que seja ensinado. Em tese, tudo o que está lá faz parte da disciplina. Tudo que não está, não faz parte.

Conheço quem não faça isso, seja por discordar do que está definido no PPC, seja por já possuir materiais já prontos para a disciplina, etc. É claro que o PPC não é uma camisa de força – o docente tem autonomia em sua atividade. Como professora iniciante esta consulta foi importante para mim porque pude perceber o que a instituição tinha definido como exigência para a disciplina – em última instância, esta exigência seria um parâmetro para minha avaliação. Então, achei válido.

Além disso, pouco depois do início do semestre, recebi alguns processos de alunos que solicitavam dispensa da disciplina porque já a tinham cursado em outra instituição. Como estava familiarizada com aquilo que a minha instituição exigia, era mais fácil avaliar se a dispensa poderia ser aplicada ou não.

Outra dica, além do PPC, é acionar a sua rede de contatos, e perguntar se alguém é/foi professor desta cadeira. É pouco provável que você vá ensinar uma disciplina que ninguém ensinou antes. Colegas podem te ajudar não só a entender do que se trata a disciplina, mas também podem indicar livros e artigos interessantes, assim como fornecer planos de ensino que eles já elaboraram. Dicas de colegas também são especialmente úteis quanto à forma de avaliação – pergunte: “Você fez prova? Sugeriu algum projeto?”. Se houver disponibilidade, tente conversar com a/o profissional que lecionava a disciplina antes – mas não se sinta obrigado a fazer o mesmo que vinha sendo feito, especialmente se a/o docente tiver muita experiência na área.

Se tiver tempo...

O plano de ensino - introdução

Recebidas as disciplinas, a sua missão antes do início das aulas é preparar os planos de ensino de cada uma delas. Pode ser assustador, eu sei. Talvez você fique sem saber por onde começar, ainda que tenha cursado Didática e feito estágio docência. Novamente, NÃO ENTRE EM PÂNICO.

Compreenda que esta será sua rotina - a cada semestre, você irá construir planos de ensino. Quando você tiver a oportunidade de lecionar as mesmas disciplinas, terá apenas que modificar o plano já existente. Modificar muito ou pouco, ficará a seu critério (na maior parte das vezes).

Por outro lado, se você é novata/o (ou recebeu uma nova disciplina), terá que construir um plano de ensino original. Provavelmente você fez um plano de aula durante o seu processo seletivo – agora você tem que fazer o planejamento do semestre inteiro.

Aceite que você tem bastante trabalho pela frente – ter um plano pronto significa que você conseguiu definir o que vai ser abordado em cada dia de aula pelos próximos 4 meses, planejou como conciliar feriados com o programa da disciplina, escolheu a forma de avaliação dos alunos, decidiu o ritmo e a profundidade em que os conteúdos serão trabalhados. Não é pouca coisa. Mas não é o fim do mundo.

Dividi a criação do plano em etapas, de acordo com a experiência que tive. Em cada etapa deixei uma seção “Se tiver tempo”. Sinta-se à vontade para ignorar esta seção se você estiver com o prazo apertado, como eu estava. Este é apenas o início da sua carreira – sempre poderá fazer melhor no próximo semestre.

Sugestões e críticas são mais do que bem-vindas =)
Agora, como diria Jack, vamos por partes.

terça-feira, 28 de abril de 2020

Sou professora universitária iniciante - e agora, José??


Você se tornou professor/a de Ensino Superior. Vai dar aulas na Faculdade X ou na Universidade Y. Parabéns!!! Espero que você esteja muito feliz com esta conquista.

E então você fica sabendo as disciplinas que irá ministrar. Agora é real. Começa a fase de preparação para o início do semestre.

Há quem se prepare por meses (#sonho). No meu caso, foram aproximadamente 4 dias entre a confirmação das disciplinas que lecionaria e o início das aulas. Embora esta não seja a situação ideal, está longe de ser uma exceção – não é raro um docente ter que assumir turmas até mesmo no meio do semestre devido a algum imprevisto.

Se você recebeu disciplinas das quais só tem uma compreensão superficial e este é o seu primeiro semestre como docente, deixa eu te dar um abraço virtual – estive exatamente nesta situação no início de 2018(*). Esta nova série de posts, que mencionei aqui, são um resumo do que aprendi após três semestres de docência. É fruto de erros, acertos, reflexões, conselhos de gente amiga. É o que eu queria ter lido naqueles 4 dias.

(Caso esteja procurando a série sobre ANPAD, clique)

É claro que nem todos os que começam na docência passam por grandes dificuldades. Seu volume de trabalho e os seus desafios vão variar muito conforme o cenário que tiver – espero que o seu seja o melhor possível. Aqui, porém, escrevo tendo em mente o cenário que eu tive – disciplinas obrigatórias com as quais eu não tinha muita familiaridade, carga teórica considerável, turmas grandes, professores anteriores com muita experiência.

Antes de mais nada: NÃO ENTRE EM PÂNICO. #guiadomochileirodasgalaxias

Respire. Você foi selecionada(o). Você é capaz.

Como qualquer professor experiente vai te dizer (não eu, porque eu sou só pós-iniciante), você tem autonomia para fazer o seu trabalho - ou algum grau de autonomia, ao menos. Existe flexibilidade para fazer adaptações conforme necessário. Se é a primeira vez que você vai ensinar determinada disciplina, o mais provável é que você venha a se familiarizar com os assuntos ao longo do semestre – é irreal pensar que você vai dominar todo o conteúdo antes.

No mundo ideal nós nos tornaríamos professores apenas daquilo que estudamos e/ou investigamos na pós-graduação (mestrado/doutorado). Porém, esta não é a realidade de muitos professores substitutos nem daqueles que trabalham em instituições privadas.

Felizmente, nem tudo é desvantagem. Ensinar algo que você eventualmente não domina significa que você não sofrerá da maldição do conhecimento. Nas palavras da psicóloga Sian Beilock, a maldição do conhecimento significa que "à medida que você melhora cada vez mais no que faz, sua capacidade de comunicar seu entendimento ou de ajudar outras pessoas a aprender essa habilidade geralmente fica cada vez pior" . Assim, talvez você possa proporcionar um ensino melhor do que um expert no assunto. A maldição do conhecimento é também a razão pela qual escrevo esta série agora, e não aqui a uma década.

Se você tiver recebido disciplinas que estão diretamente relacionadas à sua área de formação/investigação, fique grato - e atento. Neste contexto, talvez seu grande desafio seja decidir qual é a melhor forma de conduzir a disciplina com alunos de graduação. Por favor, não seja como um professor de Algoritmo que tive na graduação, que resmungou no meio de uma aula para a turma toda ouvir: “a pessoa faz um pós-doc pra ensinar a fazer ‘if’”. Não seja essa pessoa.

Seja qual for a sua relação com as disciplinas que recebeu, a grande tarefa a ser executada antes do início das aulas é a construção do plano de ensino. Ele será o assunto do próximo post.

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(*) Se você já é um docente com experiência, peço que deixe sua contribuição para este material =) 

segunda-feira, 27 de abril de 2020

Sobre desfechos acadêmicos (ou como passei de doutoranda para ex-doutoranda)


Se prepara que vem textão.


Para quem está chegando aqui agora, este blog nasceu em 2013. Na época eu estava começando a me preparar para a seleção do mestrado em Administração (UFPE). Depois de fazer o teste ANPAD e conseguir uma nota boa, eu decidi escrever sobre a preparação que fiz.

Compartilhei os posts num grupo de que participava no Facebook, o Instituto Integral. E aí a minha história começou a mudar. Conheci gente que é amiga até hoje, conheci uma professora que me orientou durante toda a seleção e a quem tenho eterna gratidão, troquei ideias com pessoas de todo o país. Tive a felicidade e a honra de ver gente brilhante me agradecendo por ter ajudado em sua trajetória até chegar à academia. Gente, EU é que agradeço por tudo de bom que veio para minha vida depois destes textos!

Este blog conta com mais de 100.000 visualizações. É altamente provável que nada do que eu escreva ou produza na vida acadêmica vá ser tão visto assim. Fico feliz que posts escritos numa manhã ensolarada de domingo tenham sido úteis para tantas pessoas.

Depois de ter conseguido entrar no mestrado, fiquei bem menos assídua no blog. Como expliquei aqui, ninguém faz "só" mestrado.

Em 2016 eu decidi emendar o doutorado. Fiz isto porque estava apaixonadíssima pela vida acadêmica e queria seguir sem parar?
Não.
Fiz isso porque era o caminho menos incerto entre aqueles que se apresentavam para mim. Enquanto fazia o pré-projeto de tese para a seleção, me frustrava pela dificuldade em produzi-lo. Eu me questionava - "se não consigo ter ideia de tese, o que raios irei fazer num doutorado?!". Mas fiz a seleção, passei.

Nos meses que se seguiram descobri a sociologia organizacional (e me apaixonei). Lembrei a jovem de 19 anos que eu fui e que sonhava em fazer Ciência Sociais na USP como segunda graduação. Entendi o papel da teoria na ciência social. Virei bolsista num projeto de pesquisa em parceria com o mercado e pude conhecer o que é viver entre mundos. Virei professora e vivi um pouco da dor e da delícia que é desejar contribuir para a formação dos estudantes. Tive (várias) crises de choro, motivadas principalmente pela frustração em ser tão pouco em comparação ao que eu deveria ser, ao que eu gostaria de ser. Enxerguei a nossa posição de subalternos acadêmicos, enquanto nordestinos, enquanto brasileiros, enquanto sul-americanos. Vislumbrei como seria o futuro que me esperava e o quão distante ele era do que eu almejava. Não vi mais sentido em continuar.

Na minha cabeça havia várias questões que eu não conseguia responder: "por que você está fazendo este doutorado? Qual será a relevância disto? Para quem você está trabalhando, a quem está servindo, ao quê está se submetendo - e para quê? Onde você vai chegar com isto? Que futuro te espera?".

No fim das contas, o sentimento era o mesmo que tinha na época da graduação - um conflito entre o que eu estudava e as questões que mexiam comigo. Já em 2005 escrevia sobre este conflito:
"Sou alguém que gosta de pessoas. Que precisa de desafios intelectuais, que gosta de se sentir inteligente também. Mas que é capaz de ficar horas em profunda tristeza por ver uma criança com uma roupa esfarrapada trabalhando, enquanto adultos em jaquetas jeans tiritam de frio. Fica triste por não ajudar. Por ver passar por seus olhos tantas teorias, princípios e preceitos. Por não ver como estes princípios ajudam pessoas. Pessoas MESMO. Não apenas funcionários e clientes de uma organização. Não a diretoria de uma empresa. Não você mesmo. Mas alguém que precisa de conhecimento e amor mais do que você de dinheiro."
Eu não conseguia ver como trazer estas questões para o doutorado que estava em curso.

Além disso, havia a questão da saúde mental. Só meses depois é que pude me dar conta do quão mal tinha estado. Explico: fui uma criança ansiosa. Levou tempo até perceber que aquilo que eu entendia como "meu jeito", de fato não era. O mesmo valendo para depressão. Ambas as condições foram intensificadas pela forma como levei a vida acadêmica.

Para utilizar uma metáfora, minha forma de levar os estudos até então poderia ser comparada com um corrida de 100 metros rasos. Há treinamento, há esforço e então há aqueles 10 segundos em que você vai aos seus limites (e além). Depois, há descanso...e tempos depois mais uma nova rodada de grande esforço. Para o ANPAD, por exemplo, fiz uma preparação intensiva de pouco mais de 3 meses.

A questão é que o mestrado e, em especial, o doutorado, são uma maratona. E eu quis levá-los com a intensidade de quem corre um sprint de 100 metros. Eu queria dar o meu melhor. Só que o "melhor" que eu estava acostumada a dar era ir ao meu limite (e além). Tudo bem fazer isto durante algumas semanas, alguns meses. Mas fazer isto por anos cobra um preço.

Então, no início de 2019 eu vim a Portugal passar férias com meu então noivo (hoje marido). Tinha um objetivo: decidir os rumos para os próximos tempos. Pesados prós e contras, em fins de fevereiro/2019 decidi que o melhor era abandonar o doutorado. A pá de cal era o fato de que, dado o conceito do curso, eu teria que passar por um processo caro e sem garantias, se quisesse ter o diploma reconhecido na Europa.

Assim, passei de doutoranda a ex-doutoranda.

Dias depois de comunicar minha decisão ao meu orientador, lembro de dizer a uma amiga: "Os dias não doem mais". Aos poucos a sensação de estar me arrastando foi diminuindo. Ainda mantive a matrícula porque poderia mudar de ideia. Agora, oficializado o meu desligamento, sinto que foi o melhor. Pouco mais de 1 ano depois, eu começo a me sentir bem de novo.

Para quem está na vida acadêmica, este texto não é para dizer a você que desista. Eu jamais diria isso. Este foi o meu caminho até agora. Continuo apaixonada por aprender, investigar, compartilhar. Mas no meio do caminho eu não me conseguia me enxergar obtendo um doutorado onde estava, da forma como estava.

Não me arrependo de ter feito o mestrado - sou uma pessoa melhor por causa dele. Não me arrependo de ter começado o doutorado - trouxe oportunidades inestimáveis, estimulou reflexões e um nível de autoconhecimento que não teria de outra forma. Da mesma forma, não me arrependo de ter largado - o meu ser agradece.

Se eu fosse dar uma dica, a partir de toda essa história que contei, seria: não perca de vista sua estrela. Não perca de vista o seu propósito. Respeite os seus limites. Se você sempre foi uma pessoa esforçada em seus estudos, não ache que por estar no mestrado ou no doutorado você tem que fazer o triplo de sacrifício. Ao pensar desta forma, sendo alguém que já tem o hábito de se dedicar, é muito provável que você esgote todas as suas reservas de energia. Que deixe de dar atenção ao que você come. Que passe a dormir mal. Que negligencie as pessoas que você ama. Que se esqueça de quem você é e o que te trouxe até aqui.

Quando estamos esgotados, somos pessoas piores, temos ideias pobres, fazemos pesquisas medíocres. Não acho que isto seja bom para ninguém. Fica a dica.

Faz agora 9 meses que me afastei da academia (ainda dei aulas até agosto/2019). Nesse meio tempo, casei, mudei de país. Já vi séries, já li livros. Fiz umas aulas de desenho. Dancei horas na sala. Fiz terapia. Escrevi bastante. Comecei num novo emprego (saudades da proteção da bolha acadêmica). Ainda não sei o que farei nos próximos tempos. Mas se for relevante, volto aqui pra contar.

Tenho planos de fazer posts para ajudar professores iniciantes. Tenho muitos materiais das disciplinas que ministrei e não queria que eles ficassem esquecidos aqui no HD do notebook. É provável que nos próximos dias saiam mais textos. Mas sem pressão. Já deu de pressão.

sábado, 1 de julho de 2017

Sobre as incertezas da vida acadêmica

Os últimos meses não foram fáceis.

Estou trabalhando num projeto de pesquisa maravilhoso, mas que é bem diferente da minha área. As aulas do doutorado me fazem desejar ter três encarnações para conseguir estudar tudo o que quero/preciso. Meu relacionamento está no modo distância desde agosto do ano passado. Depois de 2 anos morando fora, sinto os vínculos com muita gente querida se afrouxando. E não sei o que vai acontecer daqui pra frente. A gente nunca sabe, é claro. Mas a vida acadêmica me parece um pouco mais incerta do que as outras.

Vive-se à espera de um edital. Que pode ser em qualquer lugar do país (do mundo?). Para trabalhar em qualquer lugar. Para qualquer sub-área. Um artigo que cai por acaso nas suas mãos pode mudar completamente sua visão de mundo, sua perspectiva de pesquisa. Um livro pode virar seus planos de vida de cabeça para baixo. Uma aula pode tirar toda a graça do tema que até então era a menina dos seus olhos.

Para quem lida com ansiedade desde que se entende como gente, como eu, isso é bastante assustador. Adoraríamos controlar, prever, saber. Mas não dá.

Comentei com algumas amigas há uns dias que às vezes eu me pergunto onde estava com a cabeça quando resolvi bagunçar a minha vida. Porque é essa a sensação que eu tenho: que tudo estava nos trilhos e aí eu decidi seguir por atalhos e mais atalhos, que me fizeram caminhar bastante e ver coisas lindas e diferentes, mas que também me tiraram todos os pontos de referência que eu já conhecia.

Para quem está na mesma situação, fica aí um lindo desenho by The Latest Kate.
Colando na parede em 3...2...



*Tradução: tudo é assustador e você se sente vulnerável, mas isso não significa que tudo vai dar errado. Sentimentos de ansiedade normalmente não são indicativos (confiáveis) da realidade.